Resoluções tinham propósito corporativo e tentavam legislar sobre corpo feminino
Sou enfermeiro, não advogado. Mas sendo um cidadão que gosta e que precisa por força do cargo estar bem informado, aplico-me em conhecer os direitos e deveres da minha categoria, que também são os meus. Assim, causou espanto a todos nós, da enfermagem, a publicação das resoluções 265 e 266/2012 do Cremerj. Ambas as matérias eram tão arrogantes e autoritárias que lembravam os plúmbeos anos do regime de exceção, imposto pela ditadura militar. Mas logo se desvendaram o propósito corporativo e a tentativa de legislar sobre o corpo feminino. E, assim, a 2ª Vara Federal deferiu liminar na ação pública ajuizada pelo Coren-RJ, suspendendo as resoluções que afrontavam visivelmente a legislação. Como era previsto, o Cremerj entrou com recurso, mas o Conselho Federal de Medicina (CFM) já suavizou o discurso. Depois do clamor das marchas pelas ruas do Brasil, com milhares de mulheres defendendo o seu direito de parir em segurança, da forma e onde lhes aprouver, o CFM agora só "recomenda que os partos sejam feitos em ambiente hospitalar de forma preferencial, por se tratar da opção mais segura", e alerta para os riscos de morte envolvendo partos fora de hospitais. Se só 2% têm seus filhos em casa, ao contrário do que afirmam, o parto domiciliar não é um risco; parir em hospital no Brasil, sim, pode ser um perigo de vida Como o CFM explica os índices nacionais de mortalidade perinatal, em torno de 68 mortes para cem mil partos (a OMS indica o máximo de 20 para 100mil), se 98% das mulheres brasileiras dão à luz nos hospitais? Se só 2% têm seus filhos em casa, ao contrário do que afirmam, o parto domiciliar não é um risco; parir em hospital no Brasil, sim, pode ser um perigo de vida! Nos últimos 11 anos, enquanto o mundo reduzia anualmente os óbitos nos partos a 3,6%, o Brasil conseguiu diminuir somente 0,3%, podendo deixar de cumprir, até 2015, uma das chamadas metas do milênio para a saúde pública. Em tempo e com ênfase: o Brasil é campeão mundial de cesarianas, com 52% de incidência contra os 15% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A cirurgia, por tantas vezes desnecessária, transformou o ato natural em intervenção cirúrgica de alta complexidade. Esse percentual não interfere nos índices de mortalidade? Só não enxerga quem não quer ver... O incentivo ao parto hospitalar pressiona psicologicamente um ser tão sensibilizado como a gestante a desprezar o parto natural humanizado e seguro, em casa ou na casa de parto. Amedronta e praticamente obriga a mulher a parir no hospital, mesmo com uma rede de saúde pública que não dá conta da demanda. * Pedro de Jesus Silva é presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (Coren-RJ).
Artigo publicado na Tribuna do Advogado de setembro ìntegra:
Fonte: redação da Tribuna do Advogado / via: www.coren-rj.org.br
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